Elementos de reflexão para o debate sobre a responsabilidade das escolas em casos que envolvam o tema da saúde mental
Após repercussão do suicídio de um jovem de 14 anos, bolsista de escola na zona sul de São Paulo, levantou-se uma discussão sobre os limites da responsabilidade das escolas em casos relacionados à saúde mental. Neste mês, também se amplia o debate sobre Prevenção do Suicídio, mobilizado pelo movimento Setembro Amarelo.
A ASEc+ Associação pela Saúde Emocional, Organização da Sociedade Civil (OSC) que nasceu da iniciativa de voluntários do CVV – Centro de Valorização da Vida e que atua há 20 anos na promoção de saúde mental, sente-se mobilizada a trazer elementos para agregar na discussão a partir da sua experiência no ambiente escolar.
Diante do contexto em que vivemos, com inúmeros desafios sociais, econômicos e ambientais, e da constatada importância da escola no desenvolvimento pleno de crianças, adolescentes e jovens, espera-se que ela não só esteja atenta. Entendemos que a escola deve exercer um papel proativona oferta de vivências e novos aprendizados de sociabilidade e de diferentes formas de ver o mundo. Uma educação integral, saudável e que inclui a promoção da saúde mental.
O argumento de que a escola deve focar apenas no desenvolvimento cognitivo, apresentado em algumas discussões, representa um descompasso com estudos que indicam a importância de um olhar integral para o aluno – inclusive, para que, a partir do desenvolvimento de habilidades para a vida, ele possa assimilar e ampliar aspectos cognitivos. Vários estudos demonstram essa relação, pois o aluno que não consegue lidar bem com seus sentimentos e com os desafios da vida, dificilmente conseguirá acompanhar o conteúdo curricular de forma eficaz e saudável.
Reconhecer as necessidades relativas à saúde mental dentro da escola, de forma respeitosa e profissional, é justamente atuar para reduzir o estigmasobre a temática e proteger quem precisa conversar sobre o assunto ou já está em sofrimento. Muitas vezes, a escola é o único ambiente em que o aluno se sente confortável para tratar destas questões ou no qual receberá apoio para se transformar em um indivíduo mais resiliente e emocionalmente saudável. Ainda é importante destacar que falar de saúde mental não significa necessariamente falar de adoecimento. Ao contrário, quando falamos de promover saúde mental, falamos da oportunidade de desenvolver habilidades sociais e emocionais em toda a comunidade escolar, fortalecendo emocionalmente tanto os estudantes, quanto professores e gestores.
Há também, nas discussões recentes, uma concepção equivocada do papel do psicólogo escolar, com argumentos que indicam que a escola passaria a ser um espaço para atendimentos clínicos. A Lei Federal 13.935/2019 estabelece que as redes públicas de educação básica contarão com serviços de psicologia e de serviço social para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação. O papel do psicólogo na escola é apoiar o processo educacional e todos os envolvidos, incluindo educadores, alunos e famílias, dentro de um conceito que chamamos a Escola Como Um Todo. Esse apoio incluiria o acolhimento e, quando necessário, encaminhamentos específicos – e não tratamento.
“Ao longo de 20 anos de atuação, especialmente no ambiente escolar, foi possível constatar o papel fundamental da escola em relação ao acolhimento do tema da saúde mental com menos tabu. Seja em ações focadas em prevenção, mas especialmente na abordagem da promoção, em que o foco está no desenvolvimento das habilidades do indivíduo, nas suas múltiplas necessidades e potencialidades e na criação de espaços seguros. Um trabalho estruturante, de médio e longo prazo que, quando bem apoiada, a escola tem muita competência para desenvolver. Temos exemplos de muitas delas que o fazem com excelência”, afirma Juliana Fleury, CEO voluntária da ASEc+. “Ao mesmo tempo, é preciso aqui destacar que a responsabilidade não é apenas da escola, pois promover saúde mental demanda articulação de diferentes atores e setores da sociedade, incluindo família, comunidade, sistema de saúde e governo. Mas, certamente, a escola exerce papel central nessa articulação por ser um espaço de convivência diária, de criação de vínculos e de segurança emocional” finaliza Fleury.