Artigo escrito por Dival Vieira de Araújo Neto, Jovem Embaixador de Comunidade Jovem em Saúde Mental da ASEc+. Bacharel, Licenciado, Mestre em Geografia e Especialista em Docência do Ensino Superior. Pesquisador e Professor.
O BRASIL COMO LOCAL DE DESTINO NO SÉCULO XXI E A AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO PORTA DE ENTRADA DE (I)MIGRANTES.
A temática migratória é essencial para o debate sobre promoção de saúde mental, pois os quantitativos de pessoas que estão saindo de seus respectivos países estão aumentando de forma significativa e, dependendo da motivação para realizar a mobilidade, os riscos no trajeto e o tipo de acolhimento do país de destino podem apresentar um “[…] alto risco para transtornos de saúde mental, como depressão e ansiedade, bem como para comportamentos nocivos em saúde e pior qualidade de vida” (Trombka, 2021).
Em contexto contemporâneo, a partir dos séculos XX e XXI, com a globalização, a discussão migratória ganhou notoriedade, principalmente em função do perfil do imigrante que se desloca pelo espaço geográfico, que maiormente, é oriundo de um país subdesenvolvido e que possui algum tipo de crise; seja política, religiosa, econômica, ambiental e deseja ingressar nos países desenvolvidos, mas na maioria das vezes, não consegue acessar os territórios desejados.
Segundo dados da última versão do relatório Global Report (Acnur, 2022), ao final de 2022, mais de 112,5 milhões de pessoas foram forçadas a realizar a migração e os principais destinos são os países desenvolvidos do Norte Global, mas estes, em múltiplas vezes recusam ou dificultam a entrada em seus territórios, principalmente, quando o perfil das pessoas é de origem negra e pobre do sul global. Com esse cenário, vários países com uma economia emergente no sul global entram na perspectiva dos (i)migrantes.
Assim, o Brasil a partir de 2010, se torna local de destino de diversas nacionalidades que vieram em busca de melhores condições de vida, bem como para fugir de crises, mas também pelo momento econômico que o país estava vivendo com forte investimentos estatais através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e obras de renome internacional, como a copa do Mundo de 2014 e as olimpíadas de 2016. Assim, o país tornou-se atrativo a esses (i)migrantes, com destaque para latinos e africanos, sobretudo para nacionalidades como haitianos e venezuelanos, que dominaram os quantitativos pesquisados (Obmigra, 2020).
Os haitianos estão em território brasileiro desde 2010, após o terremoto que devastou o país caribenho, todavia, eles já possuíam uma “cultura” de migração forçada devido à exploração de mão de obra barata e dos recursos naturais executados desde a sua colonização. (Mamed, 2015). E no Brasil, os destinos escolhidos foram as principais cidades do centro-sul nacional, principalmente, no período de 2010 a 2016. Após esse momento, sua mão de obra foi empregada na agroindústria e em outros setores do mercado de trabalho brasileiro, sendo que o estado do Acre é o principal corredor dessa mobilidade, como também de africanos senegaleses, conforme espacializado no mapa a seguir:
Mapa 01: rotas de haitianos e senegaleses com passagem pelo Estado do Acre
Como podemos observar no mapa 01, caribenhos e africanos percorrem grandes distâncias por meios aéreos, fluviais e terrestres para chegar ao Brasil. Esses trajetos possuem um custo alto e são acompanhados por “agentes de viagens ilegais” ou “contrabandistas de migrantes – doravante chamados de “coiotes” (BRASIL/DPU, 2021, p. 10), que não oferecem nenhum tipo de garantias durante o percurso e os imigrantes podem ficar submissos a todo tipo de sofrimento.
Já os venezuelanos (indígenas ou não indígenas) possuem uma vantagem no trajeto em comparação com os haitianos e africanos, pois estão localizados na América do Sul, contudo, isso não significa que o percurso é mais fácil ou possui alguma garantia de segurança. A partir de 2013, com o agravamento da crise política, social e econômica da Venezuela, emigram de seu país e para entrar no Brasil, ingressam a partir de Roraima que é o principal corredor migratório, a contar do ano de 2016. O Estado do Acre também é utilizado como porta de entrada e as rodovias possuem um papel importante nessa mobilidade. No mapa a seguir, temos a espacialização do trajeto.
Mapa 02: Rotas dos venezuelanos para chegar ao Estado do Acre
Como percebemos nos dois mapas, a Amazônia brasileira é a principal “porta de entrada” dos imigrantes em solo nacional. No entanto, Acre e Roraima enfrentam desafios significativos, pois possuem uma economia periférica e carecem de infraestrutura adequada para receber os (i)migrantes. Em muitas situações, o número de migrantes superar a população residente nas cidades fronteiriças.
Com a escassa infraestrutura nestes estados, o acolhimento humanitário para esses cidadãos já se torna uma tarefa desafiadora. Diante dessa realidade, o debate sobre a mobilidade e permanência dos migrantes ainda fica entorno da efetivação dos seus diretos garantidos na constituição federal ou nos tratados internacionais, enquanto a promoção de saúde mental, tão importante, fica muitas das vezes, em segundo plano ou somente no papel.
PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL PARA IMIGRANTES, REFUGIADOS E APÁTRIDAS
Promover a saúde mental de imigrantes, refugiados e apátridas requer uma abordagem transdisciplinar, na qual toda a sociedade pode colaborar. Diante da complexidade dessas questões, é por meio de uma abordagem multidisciplinar em rede que podemos oferecer respostas adequadas e encaminhamentos apropriados, levando em consideração o contexto individual de cada pessoa (KIRMAYER et al, 2011; SEINCMAN, 2017).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde mental como “um estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza suas habilidades, lida com o estresse do dia a dia, trabalha de forma produtiva e contribui para sua comunidade”
(OMS, 2013). Neste contexto, abordar a saúde mental de (i)migrantes requer a articulação de políticas públicas e ações integradas com diversos setores da sociedade, sejam governamentais e/ou da sociedade civil organizada.
Realizar a migração é um direto de todo cidadão. Todavia, questões econômicas, políticas e sociais muitas vezes tornam a experiência migratória desafiadora, especialmente em um contexto contemporâneo no qual os migrantes são frequentemente retratados de forma negativa nos meios de comunicação e, muitas vezes, recebem a negativa à entrada nos países no qual almejam ingressar. É fundamental reconhecer o impacto desses fatores na saúde mental dos (i)migrantes.
Quando pensamos em saúde mental para migrantes, refugiados ou apátridas é essencial considerar as experiências, sejam elas individuais ou em grupos, e que podem ter sido traumáticas, desde a decisão de deixar o seu país natal, a viagem e a recepção no país de destino. Assim, devemos buscar diversas formas de acolher esses cidadãos de maneira digna em solo brasileiro.
Em suma, é crucial avançar no debate sobre a promoção da saúde mental dessas pessoas e desenvolver políticas públicas que priorizem o acolhimento humanizado. Isso requer uma abordagem multidisciplinar e sensível às necessidades, objetivando garantir que todos tenham acesso aos cuidados de saúde mental.
Portanto, o debate sobre promoção de saúde mental relacionado à migração é cada vez mais necessário, pois garanti-la aos migrantes é essencial não apenas para o seu bem-estar, mas também para a construção de sociedades mais inclusivas, bem como reconhecer e valorizar a contribuição dos migrantes para os países no qual escolheram (ou foram impulsionados a) viver.
Referências
ACNUR. Global Report 2022: the storie behind the numbers. Disponível em: https://reporting.unhcr.org/global-report-2022. Acesso em: 18. set, 2023.
ARAÚJO NETO, Dival Vieira de. Migração venezuelana em tempos de pandemia de covid-19 na Amazônia Sul Ocidental: O caso dos imigrantes indígenas Warao na cidade de Rio Branco (AC). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2023.
TROMBKA, Marcelo. Ensaios clínicos de intervenções baseadas em Mindfulness (ibm) para promoção da saúde em populações vulneráveis: policiais e imigrantes. Tese (Doutorado em Psiquiatria e Ciências do Comportamento) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Porto Alegre, 2021.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Plan de acción integral sobre salud mental 2013-2020 [Internet]. Genebra: OMS, 2013. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/97488/1/9789243506029_spa. pdf. Acesso em 28 set. 2023.
Observatório das Migrações Internacionais. Relatório Anual 2021 – 2011-2020: Uma década de desafios para a imigração e o refúgio no Brasil. Série Migrações. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional e Imigração e Coordenação Geral de Imigração Laboral. Brasília, DF: Obmigra, 2021
Organização Mundial da Saúde. Mental health. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-strengthening-our-response Acesso em: 20 set. 2023
MAMED, Leticia Helena. Imigração caribenha e africana pela fronteira trinacional Peru-Bolívia-Brasil: características, especificidades e repercussão social. Campinas: UNICAMP, 2016
SEINCMAN, P. M. Rede Transferencial e a clínica migrante: psicanálise e urgência social. Dissertação de mestrado, Programa de Psicologia Social/PUC-SP. São Paulo: PUC-SP., 2017