Por Rosane Voltolini
A pergunta que há muito tempo temia, chegou até mim. E agora? Alguns devem estar se perguntando. Esta não é uma pergunta simples e fácil de ser respondida.
Acredito ser dos momentos doloridos que já vivi. Ao mesmo tempo que ingênua, parecendo sem sentido, a pergunta está carregada de muita dor, dúvidas e angústias.
– Mãe, eles me chamam de feio, falam que falo tudo errado e que tenho problema. Me diz o que é ter problema, mãe?
Meu coração disparou, quanta dor embutida em poucas palavras, o choro veio com força total, precisava responder aos questionamentos, mas como fazer isso aos prantos ? Lá foi a mãe, como tantas outras vezes, engolir o choro e acolher.
Afinal, essa era apenas mais uma das várias situações de BULLYING, vivenciadas tão bravamente pelo meu filho.
– Dei um abraço cheio, afaguei a cabeça, dei beijos e perguntei: – Filho, como você se sente quando eles te falam isso? – Mãe eu fico triste, magoado, não sei porque falam isso. – Filho o que você pode fazer para se sentir melhor quando coisas desagradáveis assim acontecem? – Mãe eu respiro fundo, choro e peço ajuda para diretor. – Essas coisas deixam a gente triste mesmo, a mãe também não sabe por
que eles fazem isso, mas fico feliz por saber que você fez algo para se sentir melhor. – Filho o que você entende, para você o que é ter problema? – Não sei mãe.
– Chame sua irmã e vamos pensar juntos, pode ser? – Sim mãe. Assim começamos a refletir, em conjunto, sobre o que é de fato ter um problema.
– Temos os problemas que são materiais e problemas emocionais. Materiais são aqueles que perdemos algo ou gostaríamos de ter algo que não temos. Mãe vai dar exemplos para ficar mais fácil entender a diferença.
– Quando tem uma pessoa na família que está doente e não tem dinheiro para comprar remédio, isso é um problema? – Sim mãe. – Qual é o problema? – Não ter dinheiro para comprar remédio.
– Quando um pai não tem trabalho, isso é um problema? – Sim mãe. – Qual é o problema? – Sem trabalho ele não vai ter dinheiro, como ele vai pagar as contas?
– Quando tem alguém com muita fome, barriga doendo, mas a pessoa não tem o que comer, isso é um problema? – Sim, isso é um problema. – Qual é então o problema? – A falta da comida, se tivesse comida a barriga não ia doer.
Temos também os problemas emocionais. São aqueles que envolvem nossos sentimentos e emoções. Por exemplo:
– Uma pessoa passa por uma tristeza muito grande na vida dela, ela amava muito a mãe e a mãe morre, isso é um problema? – Sim mãe. Qual é o problema? – A tristeza que ela está sentindo, a mãe que ela amava morreu.
Uma pessoa não consegue fazer nada, nem trabalhar, nem estudar, e nem ficar feliz por que está com depressão, isso é um problema? – Claro, né mãe. Mas qual é o problema? – Mãe ela está doente, com depressão.
– Então vocês perceberam o que é ter um problema? – Agora sim. – Eles podem ser materiais ou emocionais.
– Nós sermos diferentes é um problema? A mãe ter pele mais clara e vocês mais escura, isso é problema? – Não, né mãe.
– Uma criança que nasce com Síndrome de Down, ela tem um problema? – Mãe, ela nasceu assim, ela não pode mudar.
– Um amigo autista, tem problema? – Mãe, ele é só diferente, isso não é problema.
– Isso que seus amigos acham que são problemas, não são. São apenas nossas diferenças.
– Quando teus amigos dizem que você tem problema filho, eles estão falando de problemas mesmo ou das nossas diferenças? – Eles falam que é problema mãe, mas são nossas diferenças e não problemas. – Mãe, que bom que a gente não tem problema, né?
Aí pergunto para você que está lendo, o que é ter problemas?
É muito claro que o problema não é ser diferente, o problema é, de fato, não enxergarmos nossas diferenças como algo natural.
É ainda mais claro que precisamos avançar muito enquanto humanidade, não basta falar. Inclua, inclusão vai muito além disso.
Vejo como é muito fácil julgarmos o outro apenas por ser diferente, por falar de forma diferente, por pensar diferente.
Diante disso fico aqui me perguntando o que é ESSENCIAL QUE NOSSAS CRIANÇAS APRENDAM, grifo para refletirmos sobre o que é REALMENTE ESSENCIAL, o que vai de fato fazer a diferença positiva na vida deles.
De que adiantar focar em tornar meu filho um expert nos conhecemos acadêmicos, mas não ensina-lo coisas ESSENCIAIS, como, por exemplo respeitar a si e ao outro, entender que diferenças não são problemas, aprender a incluir e não potencializar ainda mais a exclusão, principalmente de alguém que já tem suas dores e dificuldades pela própria condição humana.
Mais e mais perguntas vão surgindo a partir de um coração de mãe explodindo de tanta dor.
Onde nos perdemos? Onde deixamos de nos ver? Em que momento trocamos o ESSENCIAL pelo supérfluo? NÓS PRECISAMOS SER VISTOS.
Não com pena, muito menos como seres de luz e sim como seres humanos que somos.
Agora, depois de por os dois na cama, refletindo sobre esse e tantos outros ocorridos, principalmente no ambiente escolar, vejo o quanto é poderoso o aprendizado de habilidades socioemocionais através dos programas Amigos do Zippy e Amigos do Maçã que meus filhos tiveram o privilégio de vivenciar.
ISSO É SEM DÚVIDA ALGUMA O ESSENCIAL A QUE ME REFERI. As habilidades socioemocionais funcionam como fatores de proteção da saúde mental.
Vocês se atentaram ao diálogo, como ele consegue com muita facilidade comunicar seus sentimentos, nomear corretamente cada um deles, encontrar uma estratégia de alívio momentâneo da dor e, o mais lindo, sem discurso julgador para com amigos ?
Nesses momentos vejo o valor imensurável da empatia, da resiliência, da solidariedade, da autonomia de pedir ajuda quando não conseguir resolver sozinho, do autoconhecimento, reconhecendo exatamente o que sente frente a isso e ainda, no meio da dor, encontrar alguma estratégia para se sentir melhor, e tantas outras habilidades aprendidas.
Para nós, pais de crianças deficientes ou ditas não deficientes, sem pleno desenvolvimento dessas habilidades, facilmente caímos no julgamento sem termos uma visão ampla do ocorrido, mas, com coração manso, é claro que cada um dá exatamente o que tem e o que pode, nada além disso. Portanto, precisamos, não apenas enquanto pais, mas enquanto professores, gestores ensinar também o ESSENCIAL.
Nos dói sobremaneira perceber que nossos filhos são invisíveis, não são vistos, não apenas pelos amigos de classe, mas pela sociedade como um todo.
Alguns vão dizer que se “está vitimizando”, coisa que já escutei algumas vezes de pais com crianças ditas “normais”, será, realmente, que eles me entendem, sem viver o que vivemos?
Gratidão a você que chegou até aqui, este texto foi escrito com ajuda dos meus filhos, ambos querem muito que outras famílias e outras crianças possam entender o que é ter problema!